Treasuries

Treasuries em foco: ainda vale a pena comprar títulos do Tesouro dos EUA?

Diante de tanta turbulência fiscal e política, uma pergunta comum dos investidores é: os títulos da dívida americana continuam sendo um porto seguro e um bom investimento? Nos últimos meses, os Treasuries (títulos do Tesouro dos EUA) voltaram aos holofotes por dois motivos principais: (1) os juros oferecidos por eles atingiram patamares atrativamente altos; e (2) movimentos de grandes detentores estrangeiros, especialmente a China, acenderam debates sobre a demanda futura por essa dívida trilionária.

Primeiramente, é importante destacar que um shutdown do governo, por si só, não implica calote da dívida pública americana. Diferentemente do drama do teto da dívida (que ocorre em outras ocasiões), a paralisação orçamentária atual não impede o Tesouro dos EUA de honrar pagamentos de cupons e amortizações dos títulos existentes – esses pagamentos são obrigatórios e continuam sendo realizados normalmente. Portanto, do ponto de vista de risco de crédito, os Treasuries permanecem tão seguros quanto antes: o governo dos EUA segue cumprindo suas obrigações com os credores, mesmo com agências fechadas. Não é à toa que os títulos dos EUA ainda são considerados o ativo livre de risco por excelência no mercado global.

Dito isso, a atratividade de investir em Treasuries envolve avaliar taxa de retorno vs. cenário futuro. No momento, os títulos americanos de renda fixa estão oferecendo os maiores rendimentos em mais de uma década. Em 2023, as taxas dos Treasuries de 10 e 30 anos superaram 4,5% ao ano – níveis não vistos desde antes da crise de 2008. Títulos de curto prazo, como as T-Bills de 3 meses, chegaram a pagar acima de 5% ao ano em meados de 2023, algo extremamente incomum para padrões dos EUA. Esse salto nos yields decorreu do aperto monetário agressivo do Fed (que elevou os Fed Funds de quase zero em 2021 para mais de 5% em 2023) combinado com uma forte oferta de títulos no mercado – resultado dos déficits fiscais elevados dos últimos anos.

Ou seja, quem compra um Treasury hoje garante uma rentabilidade em dólar que há muito tempo não se via. Para investidores internacionais (incluindo brasileiros), isso pode ser uma oportunidade interessante de diversificação em renda fixa de qualidade, capturando juros altos em moeda forte. Especialistas do mercado chegaram a dizer que esta é uma chance “agora ou nunca” de travar taxas generosas em títulos considerados de baixíssimo risco.

Por outro lado, devemos considerar os riscos e tendências para o futuro. Dois pontos merecem atenção: a sustentabilidade fiscal dos EUA e o apetite dos grandes compradores estrangeiros desses títulos.

Dívida em alta e nota de crédito em risco

Os EUA vêm registrando déficits públicos volumosos – exacerbados por cortes de impostos e gastos elevados nos últimos anos – que fazem a dívida federal superar US$ 36 trilhões. Em 2023, a agência Fitch rebaixou a nota de crédito soberano dos EUA de AAA para AA+, citando deterioração fiscal e governança enfraquecida. Em 2025, a Moody’s seguiu pelo mesmo caminho, rebaixando a classificação americana ao alertar para a piora projetada nas contas públicas caso nada seja feito. Esses rebaixamentos refletem a preocupação de que o endividamento crescente, sem contrapartida de ajuste, possa eventualmente erodir a qualidade de crédito dos EUA (ainda que um default efetivo permaneça altamente improvável).

O prolongado impasse do shutdown, inclusive, agrava a percepção de disfuncionalidade política em Washington, o que foi um dos fatores mencionados pelas agências: a incapacidade de aprovar orçamentos e estabilizar a dívida. E não ajuda o fato de que, mesmo durante a paralisação, projetos de lei ampliando gastos e cortando receitas foram aprovados – por exemplo, em julho de 2025 o Congresso estendeu isenções tributárias de 2017 e aumentou despesas militares, medidas defendidas por Trump que podem adicionar US$ 3,3 trilhões ao déficit em 10 anos, segundo o CBO. Ou seja, a trajetória fiscal de longo prazo dos EUA tem se deteriorado, aumentando a oferta de Treasuries no mercado.

Mais oferta de títulos sem dúvida pressiona os yields para cima (preços para baixo). O investidor que aplicar hoje em um Treasury de 10 anos a ~4% ao ano deve estar ciente de que, se os déficits continuarem altos e houver baixa demanda, os juros desse papel podem subir ainda mais no futuro para atrair compradores – o que implicaria queda no valor de mercado do título antigo. Esse cenário adverso não é inevitável, mas é uma possibilidade ligada ao desequilíbrio fiscal.

China vendendo Treasuries: o que isso significa?

Um dos maiores detentores de dívida americana, a China, vem reduzindo substancialmente sua posição em Treasuries. No passado, o governo chinês acumulou mais de US$ 1 trilhão em títulos dos EUA, como parte de sua política cambial e de investimento de reservas. Em 2013, o estoque chinês atingiu um pico histórico próximo de US$ 1,3 trilhão. Porém, desde 2018, a China iniciou um processo gradual de venda desses papéis, intensificado nos últimos dois anos. Em julho de 2025, a participação chinesa caiu para cerca de US$ 730 bilhões, o nível mais baixo desde 2008. Isso representa praticamente metade do que já deteve em seu auge. Inclusive, a China deixou de ser o segundo maior credor individual dos EUA – posição que ocupava por décadas – sendo ultrapassada pelo Reino Unido (o maior continua sendo o Japão).

Por que a China está vendendo Treasuries? Há motivos geopolíticos e econômicos por trás. Do lado geopolítico, as tensões entre Washington e Pequim aumentaram o receio chinês de ficar excessivamente exposta aos ativos em dólares. O cenário hipotético (mas não impossível) de um conflito envolvendo Taiwan, por exemplo, levanta a preocupação de que os EUA pudessem congelar ativos chineses em retaliação – tal como fizeram com reservas russas após a invasão da Ucrânia. Assim, reduzir a dependência do dólar virou estratégia de segurança financeira para a China. Além disso, a “arma” do dólar – sanções financeiras – ficou evidente nos últimos anos, e a China prefere diversificar reservas para diminuir riscos. Muitos analistas acreditam que parte dos recursos antes aplicados em Treasuries foram realocados para ouro e títulos de países europeus.

Em paralelo, fatores macroeconômicos domésticos influenciam. A economia chinesa passou por desaceleração e pressões cambiais recentemente. Para sustentar o yuan (renminbi) em meio a saída de capital e crescimento fraco, o Banco Central da China possivelmente vendeu dólares (ou seja, vendeu Treasuries, que são ativos em dólar) e recomprou sua própria moeda no mercado. Essa estratégia de defender o câmbio reduz o estoque de títulos americanos em mãos chinesas. Além disso, a alta dos juros nos EUA tornou os Treasuries antigos – comprados pela China a taxas baixas anos atrás – ativos com perda (desvalorizados) se marcados a mercado. Ao vender uma parte desses papéis, a China estaria cortando prejuízo e podendo futuramente recomprar dívida com yields maiores ou investir em ativos com melhor retorno. De fato, os títulos de 10 anos dos EUA perderam valor nos últimos meses conforme o yield subiu de ~1,7% no início de 2022 para perto de 4%–5% em 2023exame.comexame.com. Foi racional para investidores de longo prazo, como bancos centrais, reduzir posição em papéis antigos de baixo cupom e aguardar oportunidades melhores.

É importante contextualizar que a China não está sozinha nesse movimento de realocação. Outros países asiáticos, como o Japão, também diminuíram participação em certos momentos recentes. Porém, no caso japonês, a queda foi mais por necessidade (cobrir déficits domésticos) e o Japão continua sendo de longe o maior credor dos EUA, com cerca de US$ 1,15 trilhão em Treasuries. Enquanto isso, alguns investidores estrangeiros aumentaram exposição – o Reino Unido, por exemplo, elevou seus holdings para quase US$ 900 bilhões. No agregado, a demanda global por Treasuries ainda se manteve robusta: dados do Tesouro americano mostram que, em 2025, o volume total em mãos estrangeiras atingiu recorde histórico de mais de US$ 9,1 trilhões. Ou seja, mesmo com a China vendendo, outros compraram (investidores europeus, fundos, etc.), mantendo o mercado de dívida americana líquido e funcional. Isso alivia o temor de um colapso na demanda.

Para o investidor comum, qual o significado disso tudo? Em termos práticos, a venda de Treasuries pela China pode exercer uma pressão de alta nos juros americanos marginalmente, mas não significa falta de confiança generalizada. Até porque as razões chinesas são muito específicas. Entretanto, é um sinal de que os ventos estão mudando: países emergentes buscam alternativas ao dólar e questionam se vale a pena financiar indefinidamente os déficits dos EUA. Se no passado o status de “porto seguro” dos Treasuries atraía compras quase automáticas (os petrodólares do Oriente Médio, os excedentes da Ásia, etc.), hoje os EUA competem mais pela preferência dos credores. E isso, por si só, indica que os yields talvez precisem permanecer mais altos para continuar sedutores.

Ainda assim, Treasuries seguem sendo um componente fundamental em carteiras globais – não apenas de governos, mas de seguradoras, fundos de pensão e investidores institucionais que precisam de ativos líquidos e seguros. Durante momentos de tensão, paradoxalmente, muitos investidores correm para a segurança dos títulos americanos (o chamado flight to quality), o que eleva seus preços e reduz os yields. Vimos isso acontecer no auge da pandemia em 2020, por exemplo. Logo, mesmo com questionamentos, não há substituto fácil para o mercado de Treasuries em tamanho e confiança.

Conclusão parcial: Vale a pena comprar Treasuries? Se o investidor busca proteção e rendimento em dólar, sim, esses papéis oferecem hoje um retorno razoável com risco soberano baixo. Porém, deve estar atento à volatilidade de preços: num horizonte de curto prazo, os valores dos títulos podem oscilar conforme variam os juros de mercado. Além disso, convém acompanhar a saúde fiscal dos EUA – embora um default seja altamente improvável, a trajetória de endividamento influencia a inflação futura e o valor do dólar, que são fatores relevantes para quem investe. De maneira geral, a visão estratégica aqui na Meelion é que Treasuries continuam compondo bem uma carteira diversificada, sobretudo em tempos de incerteza, mas o investidor deve calibrar prazos e tipos de títulos conforme suas expectativas para os juros, assunto que abordaremos a seguir.

T-Bills ou títulos longos? Estratégia diante de possíveis mudanças nos juros

Uma dúvida específica de muitos investidores avançados é: dado o cenário atual, qual a melhor faixa de vencimento para investir em títulos do Tesouro americano? Em outras palavras, é mais interessante alocar em T-Bills (títulos de prazo curtíssimo, até 1 ano) para ter flexibilidade, ou em T-Notes/T-Bonds (títulos de 10, 20, 30 anos) para travar taxas por mais tempo? A resposta depende das expectativas sobre a trajetória futura dos juros e do apetite a risco de cada um, mas podemos analisar os prós e contras de cada abordagem.

No cenário 1, em que se acredita que os juros possam aumentar no ano que vem, a opção mais prudente seria favorecer T-Bills de curto prazo. Por exemplo, suponha que o Fed interrompa os cortes e volte a subir a taxa básica em 2026 (seja por uma inflação resiliente ou por necessidade de atrair financiamento diante de déficits maiores). Nesse caso, títulos curtos são vantajosos porque vencem logo e permitem reinvestir a um yield mais alto. Além disso, os preços das T-Bills praticamente não oscilam com as mudanças de juros – como seu prazo é curto, o investidor sempre recebe o valor de face em poucos meses, não ficando exposto a variações de mercado. Assim, as T-Bills oferecem proteção contra risco de taxa: você garante o juro atual por um trimestre ou semestre, e se no próximo rollover a taxa estiver maior, melhor para você, que poderá aproveitar. Essa estratégia é recomendada para quem prioriza preservação de capital em dólar e quer evitar ficar “preso” num papel de longo prazo que pode desvalorizar se os yields subirem mais adiante.

No cenário 2, em que se aposta que os juros já atingiram o pico e vão cair nos próximos anos, alongar prazos pode ser bastante interessante. Se o Fed de fato engatar um ciclo de afrouxamento monetário (corte de juros) duradouro a partir de 2024-2025, as taxas dos Treasuries tenderão a recuar – historicamente, quando a Selic americana cai, os yields dos títulos longos também caem, elevando seus preços. Nesse cenário, quem comprou um T-Note de 10 anos a 4% ao ano, por exemplo, poderá ver esse mesmo papel sendo negociado no mercado a, digamos, 3% de yield daqui a algum tempo, o que implica um ganho de marcação a mercado considerável. Mesmo que não queira vender o título, o investidor já garantiu uma taxa de 4% por década, algo que pode não estar disponível novamente tão cedo (vide os anos pós-2008 em que os juros longos nos EUA mal passaram de 3%). Especialistas destacam que atualmente está ocorrendo uma situação singular: T-Bills de 3 meses pagam até mais que Treasuries de 10 anos – um indicativo de curva de juros invertida, apostando em recessão e cortes futuros. Em condições normais, isso não deve persistir por muito tempo. Assim, aproveitar alguns papéis longos agora seria “trancar” um cupom alto antes que ele desapareça. Na visão de alguns estrategistas, “quanto mais longo o título, mais chance de segurar essa taxa elevada e ter um bom retorno no futuro”, pois eventualmente o ambiente de juros altos vai passar.

Qual é o risco dessa estratégia de alongar duration? Principalmente, o de estar errado no timing: se os juros continuarem subindo ou permanecerem altos por muito mais tempo, quem comprou títulos longos hoje verá seus preços caírem e ficará recebendo um cupom fixo enquanto os novos papéis emitidos pagarão mais. No entanto, se o objetivo for carregar até o vencimento, esse “prejuízo” não se concretiza – você seguirá recebendo os juros fixos e recuperará o principal no fim. O perigo maior é para quem pode precisar vender antes: aí sim, taxas maiores implicam vender o título com desconto. É o efeito da marcação a mercado: com juros em alta, os títulos antigos de cupom baixo perdem valor; com juros em queda, os títulos antigos valorizam (porque pagarão mais do que os novos emitidos a taxas menores).

Diante dessas considerações, nós da Meelion acreditamos que uma boa estratégia é equilibrar a exposição entre diferentes prazos – fazer um “barbell” ou “ladder” de vencimentos, por exemplo. Diversificar entre T-Bills e T-Bonds permite aproveitar o melhor dos dois mundos: garante liquidez e ajuste rápido a novas taxas com a parte curta, e ao mesmo tempo captura taxas altas por longo período com a parte longa. Nesse contexto, uma carteira poderia ter algo como: 50% em títulos de 6 a 12 meses (rolando conforme vencem) e 50% em títulos de 10 anos, por exemplo. Claro, a alocação depende dos objetivos individuais – investidores com metas de longo prazo (como dolarizar patrimônio para aposentadoria ou proteção) podem querer mais parcela em prazos longos; já investidores táticos, que aguardam oportunidade, podem preferir ficar majoritariamente em Bills aguardando possível alta adicional de juros para aí sim alongar.

Um ponto importante é não tentar adivinhar perfeitamente o mercado, mas sim se posicionar de forma robusta a vários cenários. Por exemplo, se a inflação nos EUA surpreender para cima em 2024 e o Fed tiver de elevar juros novamente, as T-Bills na carteira vão rapidamente refletir essa alta (quando forem renovadas) – mitigando a perda dos títulos longos. Se, ao contrário, a economia enfraquecer muito e os juros despencarem, os títulos longos vão valorizar e compensar o reinvestimento das Bills a taxas menores. Essa abordagem balanceada evita apostas unidirecionais.

Em termos práticos, como vimos, hoje as T-Bills oferecem um rendimento anualizado em torno de 5%, o que é excelente para um ativo de curtíssimo prazo em dólar. Contudo, essa taxa deve recuar assim que o Fed cortar juros de forma mais agressiva (algo esperado possivelmente já ao longo de 2024). Por isso, quem ficar somente em papéis curtos corre o risco de ver seu yield cair significativamente daqui a alguns trimestres – o que pode ser uma oportunidade perdida de ter travado algo melhor por mais tempo. Já os Treasuries de 10 anos giram na casa de 4%–4,2% atualmente, e os de 20–30 anos em torno de 4,3%–4,5%. Esses rendimentos, embora um pouco menores que os dos papéis de 3 meses hoje, tendem a variar menos no curto prazo e, como discutido, podem gerar ganho de capital se os juros caírem. Portanto, há valor tanto no curto quanto no longo prazo – por motivos distintos.

Resumindo: se o investidor deseja evitar um possível aumento dos juros no ano que vem, as T-Bills são a escolha lógica para 2024, pois protegem o capital e permitirão aproveitar taxas mais altas caso elas surjam. Entretanto, faz sentido também garantir um percentual da carteira em Treasuries mais longos desde já, para não ficar totalmente de fora caso os juros entrem em trajetória descendente. A diversificação de prazos funciona como um hedge natural contra a incerteza da política monetária. E vale lembrar: independentemente do prazo escolhido, manter os títulos até o vencimento elimina o risco de perdas nominais – você sempre receberá 100% do valor de face mais os juros prometidos, afinal a confiança de que os EUA pagarão sua dívida permanece praticamente intacta.
E também é importante ficar atento com o final da história do Shutdown, para isso confira nosso artigo exclusivo.

Fontes consultadas:

  • Forbes Brasil“Fed corta juros em 0,25 ponto, mas bolsas caem após Powell não garantir novo recuo” (Outubro/2025).
  • Edward Jones“Government Shutdowns: Market Pulse” (análise de mercado, 27/09/2023).

  • Reuters“Foreign holdings of US Treasuries surge to all-time high in July, China’s sink” (Gertrude Chavez-Dreyfuss, 18/09/2025).

  • Exame“China vende US$ 113 bilhões em títulos da dívida americana em sete meses” (2022).

  • Poder360“China reduz títulos do Tesouro dos EUA pelo 3º mês seguido” (Eric Napoli, 18/07/2025).

  • Bloomberg Línea“Como a China passou de líder a terceiro país com mais títulos do Tesouro dos EUA” (Liz Capo McCormick, 17/05/2025).

  • InfoMoney“Quanto rendem US$1.000 em Treasuries nos EUA? (… curto, médio e longo prazo)” (Monique Lima, 08/09/2023).

Escrito por:
Equipe de Redação da Meelion.

Ela é formada pelos founders Dan Mark Printes e Eduardo Horvarth e também escritores convidados. Entre em contato aqui.

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