Circle (CRCL) – 700% de alta, um foguete na bolsa ou um risco calculado?
Em menos de três semanas, as ações da Circle (CRCL) saltaram mais de 700% desde seu IPO na Bolsa de Nova York – um movimento que mexeu com o imaginário de investidores, analistas e sonhadores do mercado cripto. De US$ 31 no dia 5 de junho para mais de US$ 222 no fechamento de 24 de junho, a Circle atingiu um valor de mercado próximo a US$ 50 bilhões. Mas o que explica esse salto meteórico? E, mais importante: essa valorização tem fundamento ou estamos diante de mais um hype cripto?
Nós, da Meelion, sabemos que oportunidades como essa despertam a curiosidade de quem busca multiplicar patrimônio. Mas também sabemos que, para transformar empolgação em decisão consciente, é preciso entender o que está por trás dos números. Vamos explorar juntos.
O Motor da Circle (CRCL): A Stablecoin USDC
Dólar digital, receita com juros.
O coração do negócio da Circle (CRCL) é a USDC – uma stablecoin lastreada 1:1 ao dólar americano. Isso significa que, para cada unidade de USDC em circulação, há um dólar real guardado como reserva. Essa moeda digital tem como principal função ser uma ponte entre o dinheiro tradicional e o mundo das criptomoedas, permitindo transações mais rápidas, seguras e globais.
Mas como a Circle (CRCL) lucra com isso? Simples: os dólares que ficam em reserva não ficam parados. Eles são aplicados, em sua maioria, em títulos do Tesouro americano de curtíssimo prazo, rendendo juros. Em 2024, essa estratégia gerou cerca de US$ 1,7 bilhão em receitas para a empresa.
Com aproximadamente US$ 44 bilhões sob gestão, os rendimentos médios ficaram em torno de 3,8% ao ano – uma performance robusta, ancorada na alta dos juros nos EUA. Ou seja, a Circle opera quase como um “banco central privado” da USDC, ganhando com a aplicação dos recursos depositados pelos usuários.
Parceria com a Coinbase: Força e Fragilidade
Um acordo estratégico que custa caro.
Para impulsionar o uso da USDC, a Circle firmou um acordo com a Coinbase, uma das maiores corretoras de criptomoedas do mundo. Mas esse acordo vem com um custo elevado: a Coinbase fica com 100% dos juros gerados pelas USDC dentro de sua plataforma e com 50% dos rendimentos das USDC que estão fora dela.
Resultado: em 2024, dos US$ 1,7 bilhão em receita, US$ 907 milhões ficaram com a Coinbase. Para a Circle, restaram US$ 768 milhões. É como se a criadora da stablecoin ganhasse menos da metade de sua própria criação.
A estratégia por trás disso? Crescer primeiro, monetizar depois. A Coinbase funciona como uma vitrine global para a USDC, aumentando sua circulação. Mas, no longo prazo, essa dependência pode se tornar um limitador – especialmente se a Circle quiser capturar mais valor direto de suas operações.
Ações nas Alturas: O Valuation da Circle (CRCL) se Sustenta?
US$ 50 bilhões é muito ou pouco?
Para entender se esse valuation é sustentável, vamos fazer uma conta simples. Supondo um múltiplo razoável de 25 vezes o lucro (comum para empresas de tecnologia), a Circle precisaria gerar cerca de US$ 2 bilhões de lucro líquido anual para justificar sua cotação atual.
Mas em 2024, o lucro líquido foi de apenas US$ 156 milhões. Para atingir a marca de US$ 2 bilhões, a Circle teria que multiplicar seus lucros por mais de 12 vezes – e isso num setor de tecnologia que muda rapidamente, com concorrentes agressivos e uma forte dependência da taxa de juros americana.
Há projeções otimistas? Sim.
Algumas análises de mercado indicam que, até 2029, a receita bruta da Circle poderia atingir US$ 9 bilhões com os juros das reservas da USDC. Mesmo que a Coinbase continue abocanhando uma fatia significativa, a Circle poderia reter cerca de US$ 3,2 bilhões líquidos – o que tornaria seu valuation mais razoável (cerca de 16 vezes o lucro projetado). Mas essa é uma visão de longo prazo, que exige execução impecável e resiliência.
Circle Payments Network: Um Novo Motor de Crescimento?
Um “Pix global” usando blockchain.
De olho em novos horizontes, a Circle anunciou o Circle Payments Network (CPN) – uma plataforma para liquidação de pagamentos internacionais. O objetivo é ambicioso: competir com o sistema SWIFT, usado há décadas por bancos para transferências internacionais, oferecendo uma solução mais barata, mais rápida e digital.
A lógica é simples: transformar dólares locais em USDC, transacionar essa stablecoin globalmente pela rede da Circle, e converter novamente em moeda local no destino final. Tudo isso em minutos, e com custo muito menor que uma remessa tradicional.
Ainda é um projeto em estágio inicial, mas que mostra como a Circle está mirando um mercado gigantesco e dominado por soluções tradicionais. Para quem investe pensando em inovação estrutural, é um movimento promissor.
Concorrência à Vista: PayPal, Stripe e até bancos
Os tubarões chegaram.
A Circle não está sozinha. PayPal, Stripe, Fiserv (dona da First Data), além de bancos centrais e tradicionais, estão desenvolvendo ou testando suas próprias stablecoins. O próprio PayPal lançou a PYUSD em parceria com a Paxos. Já a Fiserv anunciou uma stablecoin corporativa, a FIUSD, construída com o suporte da Circle.
Ou seja: o mercado é promissor, mas a competição é feroz. A Circle tem pioneirismo e solidez regulatória a seu favor, mas enfrenta rivais com escala global e carteiras de clientes gigantescas. Essa realidade impõe a necessidade de expansão rápida e inovação constante – e isso custa tempo, energia e recursos.
Conclusão Meelion: Risco e Recompensa no Jogo da Nova Economia
A Circle representa hoje uma das apostas mais ousadas – e possivelmente mais recompensadoras – da nova economia digital. Seu modelo de negócios é sólido, seu produto principal (USDC) já está consolidado, e ela está plantando sementes em áreas promissoras como pagamentos globais e infraestrutura financeira baseada em blockchain.
Mas todo esse potencial vem acompanhado de desafios reais:
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Forte dependência da taxa de juros nos EUA;
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Divisão de receita com a Coinbase;
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Concorrência crescente de gigantes;
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Valuation que já embute um crescimento elevado – e que precisará ser entregue.
Nós, da Meelion, enxergamos na Circle um caso clássico de alto risco e alta recompensa. Para o investidor que busca inovação, está disposto a aceitar volatilidade e quer exposição ao universo das stablecoins, ela pode ser uma peça interessante – mas sempre com posições pequenas e bem pensadas na carteira, como parte de uma estratégia diversificada.
Glossário Meelion
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Stablecoin: Moeda digital com valor estável, normalmente atrelada a uma moeda fiduciária, como o dólar.
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USDC: Stablecoin da Circle, com lastro em dólar (1 USDC = 1 USD).
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Valuation: Valor de mercado de uma empresa, calculado com base no preço das ações vezes o número total de ações.
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IPO (Initial Public Offering): Oferta pública inicial, quando uma empresa abre capital e passa a ter ações negociadas em bolsa.
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Títulos do Tesouro dos EUA: Empréstimos ao governo americano, considerados investimentos de baixo risco.
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Circle Payments Network (CPN): Plataforma da Circle para transferências internacionais via blockchain.
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SWIFT: Sistema global tradicional de transferências bancárias entre países.
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P/L (Preço/Lucro): Indicador que mostra quantas vezes o lucro anual da empresa está sendo “pago” pelo preço atual da ação.