Tesouro Americano e o Ataque ao Irã: o que está por trás da revalorização repentina?
Antes do conflito: Tesouro americano sob pressão e dólar em queda
Nas semanas que antecederam o ataque ao Irã, os títulos do Tesouro americano, tradicionalmente considerados os ativos mais seguros do mundo, vinham enfrentando um cenário desafiador. Com a política fiscal expansionista do governo Trump e déficits públicos crescentes, o mercado passou a exigir yields (taxas de retorno) cada vez maiores, empurrando os preços dos Treasuries para baixo.
A situação se agravou com o comportamento de grandes credores internacionais. China e Japão, dois dos maiores detentores estrangeiros da dívida americana, reduziram suas posições de forma significativa. Pequim cortou suas reservas em Treasuries para o menor nível desde 2009, enquanto Tóquio seguiu o mesmo caminho, sinalizando desconfiança sobre a sustentabilidade da dívida dos EUA.
Ao mesmo tempo, o dólar americano também mostrava fraqueza. O índice DXY, que mede o desempenho do dólar frente a outras moedas fortes, vinha acumulando semanas de queda. Entre os fatores que contribuíram para essa pressão estavam:
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Expectativas de flexibilização monetária futura pelo Federal Reserve.
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Crescimento de acordos internacionais fora da zona do dólar, especialmente entre países do BRICS.
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Aumento expressivo das reservas internacionais em ouro por bancos centrais de países emergentes.
Tudo isso criava um pano de fundo raro: um ambiente em que o Tesouro americano perdia força como ativo de confiança, e o dólar, como reserva de valor.
O ataque e a corrida global por segurança
A reviravolta veio com o ataque coordenado dos EUA e de Israel a instalações nucleares iranianas. A escalada militar reativou o instinto mais básico dos mercados: a busca por proteção. Em questão de horas, o capital global migrou novamente para os títulos do Tesouro americano, agora valorizados, e para o dólar, que voltou a subir após meses de queda.
O movimento foi claro. Os principais índices acionários despencaram, e os yields dos Treasuries, que estavam em trajetória ascendente, recuaram de forma imediata. O título de 10 anos caiu de 4,46% para 4,36% em poucos dias — sinal inequívoco de aumento na demanda por segurança.
Embora houvesse expectativa de que o conflito pudesse pressionar a inflação via alta do petróleo, o temor de um conflito regional de grandes proporções falou mais alto. A reação clássica dos mercados se manifestou: ativos de risco foram vendidos, e os tradicionais refúgios — como o Tesouro americano — reassumiram protagonismo.
Ativos de refúgio: dólar e ouro brilham, Bitcoin tropeça
Logo após a ofensiva, os reflexos se espalharam pelos principais mercados financeiros. A aversão a risco — tão conhecida dos investidores mais atentos — emergiu com força e promoveu uma verdadeira rotação de portfólio.
De um lado, ativos tradicionalmente seguros foram rapidamente valorizados: o Tesouro americano, o dólar e o ouro. De outro, ativos mais voláteis, como as ações e as criptomoedas, enfrentaram vendas generalizadas.
Ouro
O ouro, que já vinha sendo impulsionado por compras de bancos centrais e pela expectativa de pico dos juros, subiu mais de 3% na semana do ataque, voltando a se aproximar de máximas históricas. No dia seguinte aos bombardeios, o metal à vista subiu 1,5%, atingindo US$ 3.452 por onça-troy. A escalada do ouro consolidou sua imagem como “ativo de segurança por excelência” — especialmente quando os mercados não conseguem prever os próximos passos da geopolítica.
Bitcoin
Já o Bitcoin, muitas vezes descrito como o “ouro digital”, teve um comportamento oposto. Assim que os mercados sentiram o impacto do ataque, a criptomoeda foi tratada como ativo de risco — e não como reserva de valor. Em apenas 24 horas, o mercado cripto viu liquidações superiores a US$ 1 bilhão, das quais quase metade em Bitcoin. O ativo caiu cerca de 4%, rompendo níveis importantes de suporte.
Isso reforça uma lição importante para o investidor: em momentos de estresse extremo, até mesmo ativos com narrativa de proteção podem ser vendidos para cobrir margens, gerar caixa ou simplesmente reduzir exposição. O Bitcoin, embora tenha recuperado parte das perdas nos dias seguintes, não funcionou como proteção no curto prazo.
Dólar
Já o dólar deu sinais de recuperação claros. Após semanas de queda, o índice DXY subiu 1% na semana do ataque, com valorização frente a praticamente todas as moedas — inclusive o iene e o franco suíço. O comportamento foi típico de crises: investidores correram para a moeda americana, reforçando seu papel de refúgio global mesmo diante das fragilidades estruturais.
Crises passadas, lições presentes: o padrão se repete
As reações observadas em 2025 não são novidade para quem acompanha o comportamento dos mercados há décadas. Grandes conflitos — especialmente envolvendo os Estados Unidos — tendem a produzir o mesmo tipo de resposta: aversão a risco, valorização do dólar, aumento na demanda pelo Tesouro americano e salto no ouro.
Guerra do Golfo (1990–1991)
Quando o Iraque invadiu o Kuwait, os mercados reagiram com forte correção de risco. No dia em que a coalizão liderada pelos EUA lançou a operação Tempestade no Deserto, os Treasuries subiram bruscamente e os yields caíram mais de 20 pontos-base em um único pregão. O comportamento foi idêntico: ações em queda, dólar em alta, e corrida para os títulos soberanos americanos.
Invasão do Iraque (2003)
Meses antes da ofensiva militar contra Saddam Hussein, o mercado já havia precificado uma possível guerra. Cada avanço diplomático ou ameaça de ação militar causava forte oscilação nas bolsas e nos yields. Na véspera do ataque, o movimento foi claro: queda nos Treasuries, alta nas bolsas, em antecipação a uma guerra “rápida e vitoriosa”. Porém, nas semanas de tensão, o Tesouro americano foi o ativo mais demandado.
Invasão da Ucrânia (2022)
A invasão russa da Ucrânia produziu um reflexo imediato: ações despencaram, ouro subiu mais de 3%, e os Treasuries voltaram a ser comprados em massa. O yield do título de 10 anos caiu de 1,97% para 1,84% em um único dia. Mesmo em um momento de alta inflação nos EUA e expectativa de aperto monetário, os investidores optaram por liquidez e previsibilidade — novamente, o Tesouro americano foi o destino natural.
Esses episódios reforçam uma narrativa recorrente: quando o mundo entra em choque, os mercados buscam segurança no sistema financeiro americano. Ainda que haja críticas à dívida pública dos EUA, ou ao papel do dólar como moeda dominante, o comportamento do capital é pragmático — e altamente previsível em tempos de crise.
Conclusão: quando Estados Unidos entra em guerra, o Tesouro americano ressurge como âncora
A escalada militar no Oriente Médio e o envolvimento direto dos Estados Unidos no ataque ao Irã reacenderam um padrão clássico dos mercados: em momentos de incerteza extrema, os fluxos de capital voltam, quase instintivamente, para os mesmos portos seguros. E, entre eles, nenhum é mais simbólico do que o Tesouro americano.
Mesmo após semanas de desconfiança, com yields em alta e credores estratégicos como China e Japão reduzindo sua exposição, bastou o estopim de uma guerra para que os Treasuries recuperassem seu papel central como proteção de capital global.
Esse episódio deixa claro que, apesar de pressões legítimas sobre a hegemonia do dólar, a dominância americana no sistema financeiro global ainda encontra sustentação prática em tempos de crise. O comportamento dos investidores mostra que confiança, liquidez e previsibilidade ainda são atributos majoritariamente concentrados nos mercados dos EUA.
O investidor atento colhe três lições fundamentais:
1. A geopolítica molda mercados.
Conflitos não são apenas narrativas distantes: impactam diretamente o dólar, os juros, o preço da energia e o comportamento de classes inteiras de ativos.
2. Ter proteção é essencial.
Manter parte da carteira em ativos defensivos — seja em títulos indexados à inflação, dólar, ouro ou até mesmo no Tesouro americano, via fundos internacionais — é uma prática de gestão de risco que preserva o patrimônio em momentos de estresse.
3. Narrativas não substituem liquidez.
Por mais promissores que pareçam projetos de moeda alternativa, blockchain, ou moedas dos BRICS, no momento da turbulência os mercados ainda correm para onde há segurança testada. O realismo precisa equilibrar o idealismo nas decisões de alocação.
Nós, da Meelion, acompanhamos os desdobramentos com olhar estratégico, sempre orientando nossos clientes a tomar decisões informadas, equilibradas e conscientes. A crise de 2025 reafirma que a construção patrimonial passa por disciplina, diversificação e, acima de tudo, uma leitura inteligente do mundo.
Glossário Meelion
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Tesouro americano (Treasuries): Títulos de dívida emitidos pelo governo dos EUA. Considerados os ativos mais seguros do mundo, servem como referência global de juros e proteção em tempos de crise.
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Yield: Taxa de retorno de um título de renda fixa. Quando o preço de um título sobe, seu yield cai — e vice-versa.
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Dólar (DXY): Índice que mede a força do dólar americano frente a uma cesta de moedas estrangeiras. Reflete o apetite por risco global e a confiança no sistema dos EUA.
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Desdolarização: Processo em que países buscam reduzir sua dependência do dólar no comércio internacional e nas reservas cambiais.
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Flight to quality: Movimento dos investidores em direção a ativos considerados seguros, geralmente em momentos de alta incerteza.
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Criptoativos: Moedas digitais descentralizadas, como o Bitcoin. Seu comportamento pode variar conforme o apetite global por risco.
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BRICS+: Bloco de economias emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e países recém-integrados como Irã, Arábia Saudita e Egito.