O maior dia de liquidação da história do mercado cripto
No dia 10 de outubro de 2025, o mercado de criptomoedas foi atingido por um flash crash histórico. Em apenas algumas horas, mais de US$19 bilhões em posições alavancadas foram liquidadas, com aproximadamente 1,6 milhão de traders sendo surpreendidos por uma queda brutal que fez o Bitcoin despencar de cerca de US$122 mil para US$104 mil, antes de alguma tentativa de recuperação.
Esse foi o maior volume de liquidações já registrado em um único dia na história do mercado cripto, 19 vezes maior que o crash da pandemia em março de 2020 e 9 vezes superior ao colapso de fevereiro de 2025. Algumas altcoins chegaram a perder até 80% de valor em minutos, enquanto tokens de baixa liquidez literalmente “zeraram” momentaneamente.
O que causou o crash?
O gatilho inicial foi geopolítico: o então presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou inesperadamente tarifas de 100% sobre produtos chineses. Esse movimento gerou uma fuga em massa para ativos de segurança, como o dólar e títulos do Tesouro americano, abandonando ativos de risco, como criptomoedas.
O Bitcoin, que até então vinha acompanhando o ouro sob a narrativa de proteção contra inflação, rompeu níveis técnicos importantes, desencadeando uma cascata de liquidações automáticas.
Onde o padrão gráfico surgiu?
O movimento pode ser identificado como um “Descending Triangle Breakdown” (quebra de triângulo descendente), um padrão gráfico conhecido por antecipar quedas acentuadas em mercados de risco. Esse padrão foi visível no gráfico do Bitcoin nos dias anteriores ao crash, particularmente em Crypto Liquidations – Coinglass.
O colapso estrutural
O mercado já vinha mostrando sinais de fragilidade. A valorização anterior foi sustentada por alavancagem extrema: muitos traders operavam com dinheiro emprestado. Quando o primeiro suporte foi rompido, liquidações em cascata aceleraram a queda.
Além disso, market makers retiraram ordens de compra para se proteger, deixando o mercado sem liquidez em muitas altcoins – o que acentuou o colapso.
O momento do crash, uma sexta-feira fora do horário comercial na Ásia e Europa, contribuiu para a gravidade: desks de negociação estavam com equipes reduzidas, e os mecanismos de proteção simplesmente falharam.
Os números do desastre
Segundo o Coinglass, foram mais de US$19,2 bilhões liquidados em 24 horas, com 1,64 milhão de traders atingidos. Estimativas sugerem que o volume real pode ter superado US$30 bilhões considerando todas as exchanges.
A maior liquidação individual foi de US$200 milhões. Houve uma verdadeira transferência de riqueza: os 100 traders mais rentáveis lucraram US$1,69 bilhão, enquanto os 100 maiores perdedores perderam US$743 milhões. Um único investidor ganhou mais de US$700 milhões em posições vendidas.
O “Smart Money” viu antes
Antes do gatilho macro, fluxos e derivativos já sinalizavam posicionamento profissional. Na véspera do crash, um participante institucional montou ~US$ 1,1 bi em shorts e, no evento, realizou entre US$ 190–700 mi em lucro. Tecnicamente, isso combina redução prévia de liquidez negociável (saídas de BTC das exchanges) com alavancagem direcional via futuros, criando terreno para um flush de liquidações. Se foi informação privilegiada ou leitura superior de risco macro, pouco importa para o operador: o rastro de execução estava visível nos dados.
Em contraste, o varejo permaneceu comprado e ancorado em modelos determinísticos (ex.: Stock-to-Flow, contagem de “X dias pós-halving”). Esses modelos não são leis físicas; são descrições ex-post de um comportamento que, ao se tornar consenso, vira ponto de liquidez. O resultado prático é clássico em microestrutura:
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Quando o consenso é de alta, stops ficam aglomerados abaixo; alvos e ordens take profit se empilham acima.
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Quando o consenso é de baixa, o estoque de ordens inverte — e o mercado passa a “caçar” liquidez nos dois lados.
O smart money opera na expectativa da reação do consenso. Por isso, funding, OI, CVD e netflows valem mais do que narrativas. Exemplos típicos do setup observado no crash:
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Funding neutralizando/negativando após euforia → crowd shorta o fundo.
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Open Interest colapsando no evento e reacumulando logo depois → reset de alavancagem + reconstrução profissional.
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Spot CVD > Futures CVD no pós-queda → absorção em spot enquanto derivativos ainda “vendem” (hedge).
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Netflow on-chain negativo (BTC saindo das exchanges) → estoque para venda cai; a profundidade fica rala e o preço “anda” com menor esforço.
Em termos operacionais: desconfie do padrão quando ele já é consenso público. Se funding/ratio mostram mais longs do que shorts e o discurso dominante é “alta inevitável”, o risco passa a ser de liquidação “para baixo”; quando o discurso é “fim do ciclo” e funding fica negativo com saídas de BTC das exchanges, a assimetria vira para cima.
Em suma, o dinheiro migra de quem depende de narrativas para quem lê fluxo. Portais e threads tendem a reforçar o humor do dia; desks institucionais posicionam contra o humor quando a liquidez permite. Seu processo deve responder a uma pergunta simples: “Quem está tomando risco de verdade? Em que instrumento? Com qual estoque de liquidez disponível?”. A resposta está nos fluxos.
Proteção e oportunidade: posições defensivas em stablecoins, ouro e renda fixa
Outra decisão sábia para aqueles mais conservadores foi ter parte do portfólio posicionado em renda fixa ou produtos de yield estável. Com as taxas de juros globais em patamares elevados em 2025, era possível obter 8% ao ano ou mais em stablecoins de forma relativamente segura, por exemplo, emprestando dólares em protocolos DeFi robustos ou aplicações atreladas ao Tesouro dos EUA.
Alguns investidores brasileiros adotaram alocações em títulos pós-fixados, CDBs e fundos DI, aproveitando os juros domésticos, que chegaram à casa de dois dígitos ao ano. Essas posições de carry serviram como hedge: enquanto o mercado cripto derretia, quem tinha parte do capital rendendo em renda fixa não apenas preservou o patrimônio, como continuou gerando rendimento durante o crash.
Essa liquidez agora é extremamente valiosa, com os preços descontados pós-queda, há oportunidades de compra que só quem tem caixa disponível consegue aproveitar. É aquele ditado dos mercados: “Cash is king” em tempos de sangria.
Um caso ilustrativo foi o da stablecoin USDE, que oferecia rendimento de 12% ao ano através de um esquema de empréstimos em loop. Muitos usuários correram para essa alta remuneração durante o bull market, alavancando seus depósitos. Contudo, no dia 11 de outubro, com as vendas em massa, o USDE perdeu sua paridade, caindo para US$0,66 e deixando arbitradores em pânico.
Ou seja, quem buscou um juro excessivo em um ativo de risco acabou vulnerável no pior momento. A lição aqui é clara: prefira estabilidade e liquidez sobre rentabilidade exagerada, especialmente quando pressentir perigo. Stablecoins sólidas e investimentos conservadores podem não render a “lucratividade de bull market”, mas cumprem a função de proteger o capital nas horas sombrias.
Lições do maior dia de liquidação: sobreviver e prosperar
O crash de outubro/2025 deixa lições valiosas para investidores — iniciantes e experientes. A principal delas pode ser resumida na frase: “Sobreviver é tudo.” Em um mercado tão volátil quanto o cripto, preservar capital importa mais do que buscar lucro máximo o tempo todo.
Quem entrou em 2025 superalavancado e perseguindo ganhos fáceis talvez tenha multiplicado seu dinheiro por um tempo, mas muitos viram esses ganhos evaporarem em horas ou, pior, foram liquidados e perderam tudo. Por outro lado, aqueles que praticaram gestão de risco, diversificação e mantiveram reservas em ativos seguros agora têm a chance de voltar ao jogo em posição de vantagem.
Como diz o ditado, o mercado pode ficar irracional por mais tempo do que você permanece solvente, por isso, nunca aposte a casa em nenhuma operação.
Outra lição é a importância de observar os sinais do smart money. Movimentações anômalas de grandes players, fluxos entre exchanges, aumentos súbitos de posições vendidas (shorts) ou compradas (longs) de alto volume, todos são sinais de que algo grande pode estar por vir.
Claro, antecipar cada movimento não é possível, mas ignorar completamente essas pistas e se basear apenas em análise gráfica ou modelos estatísticos pode custar caro. A sabedoria convencional das redes (“HODL e confie no modelo X”) precisa ser balanceada com um olhar crítico: se todo mundo espera o mesmo cenário otimista, quem fará o papel do vendedor?
Muitas vezes, o investidor institucional ou a baleia está fazendo o movimento oposto da multidão. A história de 10/10/25 reforça isso de forma dramática.
Por fim, fica claro que narrativas simplistas não sobrevivem ao teste da realidade complexa. A ideia de ciclos perfeitos de 4 anos ou de que “desta vez é diferente porque a adoção institucional chegou” foi desafiada. O mercado cripto, embora mais maduro em 2025 do que em 2017 ou 2020, ainda mostrou que não está imune a volatilidades extremas.
Eventos macroeconômicos de políticas governamentais a crises geopolíticas podem e certamente vão, redefinir totalmente o panorama em questão de dias. Portanto, é crucial ter planos de contingência: stops, hedge, seguro (seja em derivativos ou ativos defensivos) e, principalmente, disciplina para realizar lucros e reduzir risco quando o mercado oferece essa chance.
Em retrospecto, o maior dia de liquidação também “limpou” o excesso de alavancagem do sistema, potencialmente abrindo caminho para um mercado mais saudável adiante. Após a tormenta, o Bitcoin conseguiu se manter acima de ~US$110 mil e mostrou relativa força frente às bolsas de valores sinal de que a convicção de longo prazo não foi abalada por completo.
Investidores de peso reafirmaram sua crença: Larry Fink, da BlackRock, reiterou que vê um papel para o Bitcoin análogo ao do ouro nos portfólios. Ou seja, apesar do curto prazo traumático, os fundamentos de adoção e oferta escassa seguem válidos.
Quem sobreviveu agora tem a chance de recomprar ativos descontados e se posicionar para o próximo ciclo de alta, aprendendo com os erros deste capítulo.
Em suma, o crash de 10/10/2025 entra para a história como um lembrete amargo e valioso: na busca por riqueza rápida, muitos esquecem de proteger a própria permanência no jogo. A volatilidade extrema pode até surpreender, mas não perdoa os descuidados.
Fica a lição pregada pelos veteranos: mais vale estar preparado e líquido para aproveitar oportunidades do que estar 100% exposto quando o “cisne negro” aparecer. Afinal, no mercado cripto como em alto mar os recifes ocultos estão sempre à espreita.
Sobreviver é tudo.
Os lucros virão como recompensa àqueles que atravessarem as tempestades com bastante paciência.
As lições do maior dia de liquidação
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Sobrevivência é tudo.
Preservar capital deve ser prioridade, mesmo que isso signifique abrir mão de ganhos rápidos. -
Cuidado com alavancagem.
Operar com dinheiro emprestado pode multiplicar ganhos, mas também acelerar perdas fatais. -
Narrativas simplistas falham.
Nenhum modelo prevê choques geopolíticos. Confiança cega em teorias pode ser perigosa. -
Smart money deixa rastros.
Movimentos incomuns, como posições vendidas massivas ou saques on-chain, sinalizam que algo pode mudar. -
Diversificação e defesa funcionam.
Ter parte do portfólio em ativos defensivos permite não só sobreviver, mas aproveitar oportunidades após a queda.
Glossário
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Flash Crash: Queda abrupta e intensa nos preços, em um curto espaço de tempo.
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Liquidação: Encerramento forçado de uma posição por falta de margem ou colateral.
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Alavancagem: Operar com dinheiro emprestado para aumentar o potencial de retorno (e risco).
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Stablecoin: Moeda digital com paridade ao dólar (ou outro ativo estável).
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Short Position (Venda a Descoberto): Apostar na queda de um ativo.
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Market Maker: Entidade que fornece liquidez ao mercado comprando e vendendo ativos constantemente.
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Stock-to-Flow: Modelo estatístico que relaciona a oferta limitada de Bitcoin com seu valor estimado.
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Cisne Negro: Evento inesperado com grande impacto no mercado.
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DXY: Índice que mede a força do dólar em relação a outras moedas.